quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Diferenças culturais – Melhor nem saber o que está comendo!


Veja também os posts "Diferenças culturais - O 'V' da vitória!!!" e "Duas palavrinhas básicas"




A gastronomia talvez seja a experiência de diferença cultural mais procurada e desfrutada pelos viajantes. Novos temperos, novos pratos, novos sabores... mas desde que sejam minimamente compatíveis com os nossos, porque afinal ninguém é de ferro!

Nossa deliciosa feijoada pode ser mais do que nojenta para outras culturas! Para judeus ou muçulmanos pode ser uma ofensa religiosa. E, sem querer, quase cometo uma barbaridade dessas. Fiz amizade com um pesquisador canadense e ele veio ao Brasil para uma série de palestras. Resolvi recepcioná-lo com um almoço de boas-vindas. Pensei em algo bem brasileiro, como... uma feijoada! Os preparativos para o almoço iam de vento em popa até que um colega de trabalho me perguntou:

– Feijoada? Mas o Larry não é judeu?!

feijoada

Percebi na hora o tamanho da grosseria que iria cometer e mudei imediatamente para um tradicional churrasco! Judeus e muçulmanos não comem carne de porco, considerada por eles impura.

Isso me lembra também o primeiro “contato imediato em primeiro grau” de uma amiga minha, dinamarquesa, com uma feijoada. Sem tempo ou paciência para explicar à esposa o que era uma feijoada, o marido dela disse apenas que era um prato feito com TODAS as partes do porco. Durante o almoço, enquanto colocava os pedaços de carne no prato, ela acabou pegando um rabinho, que não havia sido cortado! Meio chocada com o ocorrido e sem saber como reagir, vira para o marido e, com aquele forte sotaque estrangeiro, diz:

– Mirrrro, asscho qué peguei u pinto du porrrrco!

Desnecessário dizer que esse caso ainda é motivo de gozação até hoje!

Está rindo? Pois a recíproca pode ser verdadeira, uma vez que carne de cavalo é comum na França, feto de bezerro é uma iguaria no Uruguai, cachorro é servido na Coréia, grilo é uma especialidade mexicana, sem falar em cérebros de macaco, cobras, besouros, gatos, lagartas etc.

parrilla uruguaia

Diz um ditado chinês que “tudo o que se mexe... se come!” Ou seja, você pode até achar nojento, mas o seu nojo é fruto única e exclusivamente de sua visão cultural frente àquele alimento!

O Extremo Oriente é pródigo em diferenças culturais gastronômicas. Conheci um diretor de uma grande empresa americana de computadores que, numa certa época, era o seu representante em Hong Kong. Em sua primeira viagem para lá e com medo daquilo que poderia vir a estar comendo, perguntava, a todo o momento, sobre o que estava sendo servido. Nem preciso dizer que voltou com fome para os EUA. Em sua segunda viagem, mudou de atitude: resolveu comer de tudo! Só não perguntava nem queria saber o que estava comendo e me confessou:

– Olha, Edu, que culinária maravilhosa! Sei que como coisas que nunca imaginei estar comendo. É tudo uma delícia. Mas, por favor, prefiro continuar sem saber!

culinária chinesa

Realmente é melhor ficar sem saber, pois o cérebro é capaz de transformar uma comida deliciosa em algo de embrulhar o seu estômago em questão de segundos. Eu, por exemplo, fui recepcionado com tanajura lá entre os kamayurás. Quem comeu gostou, mas meu estômago embrulhava só de pensar em comer.

tanajura

E esse “causo” aqui aconteceu com perito canadense que nos prestou consultoria. Casado com uma enfermeira, ele desembarcou por aqui com uma lista do que NÃO deveria fazer bem maior que um catálogo telefônico. Parecia até que ele estava visitando um Congo da vida!

Fiquei responsável por levá-lo para almoçar durante a sua permanência por aqui. Logo no primeiro dia, levei-o para almoçar em um pequeno e delicioso restaurante de comida brasileira que havia aqui em Brasília. Optei por um arroz de carreteiro com purê de abóbora e um frango ao molho pardo. Sabendo da frescura do gringo, por precaução, evitei dizer qual era a “base” do molho pardo.

arroz de carreteiro

O tal canadense vidrou na galinha ao molho pardo, que ele chamava de “chicken on dark sauce”. Comeu uma vez e babou. Repetiu e revirava os olhos! “Tripitiu” e suspirava de satisfação!! Gostou tanto que achei que não era mais perigoso informá-lo que o molho pardo era feito com sangue de galinha.

Pura ilusão a minha! Assim que falei, ele parou de comer e, num gesto brusco, afastou o prato. Ato contínuo, começou a passar mal, ficando cada vez mais pálido. Quando já estava ficando verde, resolveu devolver para o vaso sanitário tudo aquilo que havia comido com tanta satisfação. Por muito pouco ele não parou no hospital... e, por muito pouco, não tomei um tiro do meu chefe!!

galinha cabidela ou ao molho pardo

Você tem o costume de fazer “pequenas” adaptações no cardápio dos restaurantes em que come? Por aqui, de uma maneira geral, os restaurantes não se incomodam em substituir o arroz de brócolis por um arroz branco e a farofa por um purê de batata, além de retirar o molho que vem cobrindo o filé, por mais que isso acabe com a graça e destrua o sabor do prato. Lá fora, vá tirando o cavalinho da chuva que eles nem vão pensar duas vezes em dizer:

– Senhor, infelizmente não temos esse prato em nosso cardápio!

Em uma viagem à Europa, minha prima vivia pedindo modificações e raras foram as vezes em que ela foi atendida. Fazia uma careta de insatisfação e dizia:

– Pô, mas eu não gosto disso e vou ter que comer?

Não, claro que ninguém é obrigado a comer! Basta colocar do lado do prato... ou escolher uma outra comida, não é mesmo?!

A renomada Chef Roberta Sudbrack recomenda:

– Aceite um conselho de quem entende do assunto. Se não quiser criar um incidente gastronômico ou correr o risco de ver uma brigada de cozinha inteira, e de faca em punho, se dirigindo para a sua mesa, pense antes de simplesmente achar que a troca de uma “batatinha” por um “arrozinho” pode ser inofensiva. NÃO É! 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Paris - Cadeados da paixão!


Veja também os demais posts da série “Paris”: “Je ne suis pas arabe!”, “...porque não somos de ferro!!!” e “O golpe do anel!”. 


No nosso terceiro e último dia em Paris, começamos nosso passeio pela Pont de l'Archevêché. Essa ponte fica sobre o Sena, um pouco atrás da catedral de Notre Dame. O pitoresco está na sua “decoração”: cadeados com o nome dos casais.


"Decoração" da Pont de L'Archevêché, perto de Notre-Dame

Não conhecia essa tradição, que nos pegou de surpresa no dia anterior. Na verdade, nem sei como foi que surgiu essa mania de prender cadeados à Pont de L’Archevêché, em Paris. São milhares e é algo que realmente mexe com a gente! Os casais apaixonados, casados ou não, hetero ou não, identificam seus cadeados e os prendem às grades da ponte. Para completar a “cerimônia”, jogam as chaves no Rio Sena, como se fosse uma simpatia para que continuem juntos. Confesso que não sei se funciona.

O que sei é que eu e a Mary não íamos perder essa oportunidade de renovar os laços que nos unem: compramos um cadeado, escrevemos nosso nome nele e fizemos uma pequena cerimônia, com direito à fotografia.

Cerimônia de colocação do cadeado

Como Paris é uma cidade pra lá de romântica, quando for com o seu amor passear por lá, não se esqueça de levar um cadeado para prender sua paixão na grade dessa ponte!

Nosso cadeado

E se você passar por lá, pode conferir: nosso cadeado está no final do 11º painel a contar do início da ponte, do lado do Quartier Latin.

Crianças brincando

Próxima parada, Montmartre! 

Catedral de Sacre-Coeur, em Montmartre

Visitamos a catedral de Sacre-Coeur e curtimos um pouco do astral da Place du Tertre (também conhecida como a praça dos artistas).

Place du Tertre
Artista pintando
Fomos descendo devagarzinho, desfrutando a Paris do dia-a-dia, que, muitas vezes, passa despercebida para os milhões de turistas.
 


Qual não foi a nossa surpresa quando nos deparamos com um fantástico mercado de antiguidades. Esse é um mercado tradicional que ocorre todos os sábados e domingos em Paris. Acontece que cada fim de semana ele é montado em um local diferente de Paris. Foi a mais pura sorte estarmos no lugar certo na hora certa!


Se você vai passar um fim de semana em Paris e curte antiguidades, esse é um passeio imperdível. Cheque a programação dessa feira no www.spam.fr

Terminamos o dia nos Jardins du Luxembourg, mortos de cansaço e loucos para pegar o vôo de volta e chegar em casa.



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

EUA: Velho Oeste – Mesa Verde (out/2010)


Veja também os demais posts da série “EUA: Velho Oeste”: “Tratados como bandidos!”, “Grand Canyon”, “Antelope Canyon”, "Monument Valley" e “Dah-he-tih-hi”.


Depois de visitarmos o Monument Valley Navajo Tribal Park fomos para o Parque Nacional de Mesa Verde.

Conta a estória que em 1888, dois cowboys, que procuravam gado perdido em uma tempestade de neve, pararam à beira de um desfiladeiro de paredes íngremes e avistaram pela primeira vez os vestígios dos muros e torres das habitações.  

Descendo até as ruínas, eles encontraram ferramentas de pedra, cerâmica e outros artefatos em salas que haviam sido desabitadas há cerca de 600 anos. Maravilhados com a descoberta deram às ruínas o nome de Cliff Palace.

Cliff Palace

Mesa Verde é o único parque nacional americano criado para proteger uma obra feita pelo homem. São ruínas feitas por antigos povos nativos e abandonadas ao redor do ano de 1200. Como não deixaram nada escrito, pouco se sabe desse povo, chamados pelos navajos de “anaasázi”, que significava “antigos inimigos”.

Hoje os arqueólogos crêem que os anasazi podem ter sido vítimas de seu próprio sucesso. Sua agricultura em terreno seco permitiu à população de Mesa Verde crescer até cerca de 5000 pessoas. Gradualmente as florestas foram destruídas, a caça selvagem dizimada e o solo esgotou sua produtividade. O sofrimento decorrente de anos de seca com pouca colheita pode ter sido agravado por disputas entre as aldeias. No final do século 13 os anasazi deixaram a região, para nunca mais voltar.

Spruce Tree House

Os anasazi formaram uma civilização de cultura muito avançada para a época em que viveram e estiveram espalhados por todo sudoeste americano. Apesar de terem sido considerados “extintos” por muito tempo, hoje sabe-se que os seus descendentes são os índios Hopi, Zuni, entre outros povos da região.

As ruínas de Mesa Verde são de embasbacar, construídas em fendas de rochas, dependuradas em despenhadeiros de mais de 100m. E aí fica a pergunta, vivendo nessas pirambeiras, como é que levavam água lá para as habitações. Enquanto eu pensava em toda a complexa logística para carregar água para o uso das centenas de pessoas que viviam nessas “cidades”, a solução encontrada pelos anasazi foi muito mais inteligente e engenhosa. Cada “pueblo” era construído em uma fresta de rocha e em cada uma delas tinha uma fonte natural de água.

Cliff Palace

Compramos nosso ingresso no dia anterior e a guarda florestal fez um baita terrorismo de que levaríamos pelo menos duas horas até chegarmos ao local da primeira visita guiada, o Cliff Palace, devido a obras na estrada.

Detalhe do Cliff Palace

No dia da visita acordamos cedinho e antes do amanhecer, já estávamos dentro do parque. Apesar do terrorismo feito, não encontramos uma única barreira ou empregado trabalhando, mas vimos muita vida selvagem.  Estava pra lá de breu. Víamos silhuetas de animais na beira da estrada que desapareciam antes que pudéssemos identificar que bicho era.

Como fotografar esses animais “fantasmas” era algo impossível, não deixei o equipamento preparado. Mas como todos sabem, a lei de Murphy tarda mas não falha. Foi só clarear mais um pouco que vimos um belo coiote que nos ignorou solenemente e seguiu seu caminho. Você nem imagina as manobras pouco ortodoxas que fiz com o carro e com a câmera para tentar fotografá-lo. Não deu!!! O melhor resultado foi essa foto meio fora de foco!

Coiote

Aprendida a lição, deixei a câmera pronta no banco traseiro. Valeu a pena, pois mais adiante vimos um bando de veados campeiros como esse aí. Se no Horseshoe Bend, perto do Antelope Canyon, odiei a mim mesmo por não ter uma grande angular mais ampla, desta vez dei graças por ter uma teleobjetiva decente. Essa foto foi tirada com distância focal 300.

Veado campeiro

As ruínas do Cliff Palace são simplesmente embasbacantes! Habitadas no seu apogeu por mais de 100 pessoas, esse pueblo tinha mais de 200 cômodos!

Cliff Palace

Além do Cliff Palace, outra ruína impressionante é a Balcony House, que fica dependurado na beira de um baita despenhadeiro. Se alguém cair, dá para pensar um bocado na vida até a pancada no fundo do precipício.

Entrada da Balcony House - dê uma olhada na pirambeira!!!

Confesso que é um passeio nem um pouco recomendável para quem tem medo de altura!!!

Balcony House


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Pequenas roubadas VIII – Saúde é o que vale!




Ninguém dá valor à saúde até que vê a mesma escorrer por entre os dedos!

Falo isso porque, ao ler o meu post “Kamayurá – Nasci de novo!!!”, um colega, dos meus tempos de Anatel, me perguntou se eu não ia publicar o causo de minha última viagem internacional a serviço.

Realmente vale a pena relatar, pois mostra o quão vulneráveis estamos quando cruzamos a fronteira.

Era uma reunião da CITEL, órgão especializado em telecomunicações da OEA e estava sendo realizada em Mendoza, Argentina. A cidade, famosa por suas vinícolas, vale exatamente por isso. De resto, não chega a ser uma brastemp e é tão provinciana que a cidade para na hora do almoço. Qualquer coisa que não seja restaurante, fica fechada das 12:00 às 15:00, a hora da siesta.

Mendoza, Argentina

Ou seja, é ir do hotel para a reunião, da reunião para o restaurante, de lá para a reunião e retornar para o hotel para estudar os documentos que serão apresentados no dia seguinte. Belo programa, concorda?!

Mas minha chegada à Mendoza foi “triunfal”! Direto para o banheiro e lá me “hospedei” por um longo e tenebroso período!!

A conexão para Mendoza foi em Santiago e almoçamos no aeroporto. Escolhemos um restaurante que era a versão chilena do Outback e, como era de se esperar, pedi umas “ribs” que estavam realmente apetitosas.

O problema começou a aparecer com uns roncos infernais que vinham do meu estômago, já perto da hora da conexão para Mendoza. Entrei no avião suando frio, pousei rezando por um desembaraço rápido na alfândega e imigração e cheguei no hotel correndo para o banheiro do quarto, enquanto esse colega terminava o check-in lá na recepção do hotel.

Mendoza - centro da cidade

Daí em diante, foi vômito e diarréia um sem número de vezes, a ponto chegar a pedir que ele me levasse a um hospital. Como última alternativa, antes do hospital, ele fez uma prece e aplicou o johrei, benção da Igreja Messiânica, da qual faz parte. Apaguei e dormi por mais de uma hora.

Acordei bem melhor, com ele me passando um pouco de soro fisiológico que tinha comprado numa farmácia. Não tive mais problemas.

Não estou querendo que ninguém acredite nos poderes do johrei, nem espero que alguém substitua um hospital por uma benção com imposição das mãos. Estou apenas relatando o que se passou comigo.

O importante era que tinha um excelente seguro saúde para cobrir eventuais despesas médicas e hospitalares... o que nem sempre é comum em viagens internacionais a serviço do governo.

Mendoza - Plaza Sarmiento

Lembro-me que nos anos 90, um companheiro de Telebrás, que estava a serviço do Ministério das Comunicações, teve um infarto em Montevidéu... e por desleixo do Ministério, não estava coberto por seguro saúde. Resumindo a estória, assim que melhorou um pouco, foi transferido para Brasília numa UTI aérea.

Dá para imaginar o transtorno e o prejuízo que ele teve que assumir? A conta ficou maior do que comprar um apartamento de dois quartos em nossa bela e cara capital.

Como muito poucos são os que tem cacife para bancar uma conta desse quilate, jamais viaje sem estar coberto por um seguro saúde. Além disso, viaje com todos os remédios que você usa ou pode vir a usar: de remédio para pressão alta a comprimido para enxaqueca, leve uma farmacinha de respeito. Inclua remédio para alergia, queimadura de sol, picada de mosquito, cistite, gripe e todos os demais etcs que puder imaginar.

Não sou hipocondríaco, mas se tiver que tomar um remédio controlado, devido a uma crise inesperada quando estiver no exterior, inevitavelmente você vai ter que ir a um médico e fazer 1000 exames, para o médico receitar exatamente o que você já sabe que tem que tomar.

Mendoza - Cordilheira dos Andes visto de uma vinícola

Por exemplo: em 1990 fiz um curso de três meses em Lowell, Massachussets. Já perto do fim do curso a Mary desembarcou por lá. Depois de quase dois meses “mordendo canto de parede”, desnecessário dizer que voou pena pra todo lado quando nos encontramos. Não deu outra: em menos de 24 horas depois ela estava com uma crise braba de cistite. Como ela não tinha levado remédio e não dava para comprá-lo em uma farmácia qualquer, teve que baixar hospital, fazer um monte de exames... para só então o médico receitar exatamente o mesmíssimo remédio que ela tomava por aqui.

Essa crise de cistite também aconteceu em Santorini, Grécia. Mas em um país tão bagunçado como o Brasil, o dono da farmácia abriu uma exceção e vendeu o remédio para ela.

No Havaí, eu tive uma crise alérgica a um protetor solar e fiquei com o corpo inteiramente empelotato. Depois dessas, não saímos sem colocar na mala uma lista de remédios que temos em um check-list.

Seja como for, não saia de casa sem ter em mãos o seu seguro saúde e leia as instruções durante o vôo, para saber exatamente como proceder em caso de emergência. Mas leve sua bolsinha com os remédios mais usuais! Afinal, seguro morreu de velho!!!



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Kamayurá – Moitará



Moitará significa “TROCA” em kamayurá! E ninguém é mais fissurado em uma troca do que eles. É algo que quase chega às raias da obsessão, uma vez que é uma oportunidade única para ter acesso a produtos do homem branco sem que tenham que sair da aldeia, algo que não é muito simples!!! Da mesma forma, o moitará é usado entre etnias distintas. Troco algo que faço por algo de outra aldeia.

Se você for a uma aldeia indígena, tenha sempre MUITAS coisas para trocar e até mesmo para presentear. É algo cultural entre a maioria das etnias xinguanas e você vai “ficar bem na fita”!


Na primeira vez que o meu irmão foi para a Aldeia Morená, ninguém o avisou disso. O resultado é que não tinha nada para trocar e, até hoje, o apelido dele é NUPIRI, que significa “pão duro!!!

Jamais leve algo para uma aldeia que você não possa deixar por lá. Na verdade, uma forma de contornar isso é levar muita coisa para ser trocada. Tudo pode ser trocado: camiseta, casaco, boné, lençol, toalha, sandália, relógio, linha de pesca, anzol, potes de plástico, desodorante, escova de dente (mesmo usada)... a lista é interminável e a criatividade também!


É claro que não iria colocar a minha câmera e minhas lentes, assim como meu laptop em um moitará. Nem eles iriam me obrigar a isso, pois o índio não é bobo... mas muitas vezes se faz de bobo.

Sabem direitinho o quanto vale cada coisa que você levou, mas também lá vale a lei da oferta e da procura. Se um índio estiver realmente querendo algo que você levou para trocar, ele fará de tudo para ficar com aquele objeto.


É claro que eles irão super valorizar os seus produtos, todos eles artesanato indígena feito na tribo. E tem muita coisa bonita para trocar: bancos de madeira, cocares, colares, pulseiras, flautas, etc.

Vejamos as barganhas que fiz:

Banco em formato de tatu, cestinho de vime, flauta "paraguaia" e colar do pajé
  • vamos começar pelo banquinho que foi uma negociação complicada, uma vez que envolvia o cacique... e cacique sempre tem razão, concorda?! O banquinho é feito de uma peça ÚNICA de madeira. Pessoalmente acho lindo o design do tatu e a pintura kamayurá. O Iawapi cobra R$250. Barganhei e "consegui" R$ 200 pelo banquinho. Aí coloquei na negociação um lençol de casal, 2 linhas de pesca, um montão de anzóis, um monte de chumbada, camiseta, 2 almofadas... e, para mim o banquinho estava pago. Tolinho eu!! Tive que entrar com mais R$ 110 e ganhei, de quebra, o cestinho da foto, o colar de coquinho com pingente de arraia e mais o colar azul que estão aí abaixo. Dancei na negociação, mas prefiro ficar em paz com o Iawapi!
  • a flauta, segundo alguns kamayurás, é "paraguaia"! Ou seja, feita pra turista! Mas achei ela diferente e bastante simpática. Me custou um par de Croc "genérico" comprado na Feira dos Importados! Deu empate na negociação!

    Colar de coquinho com pingente de arraia
Colar de miçangas
  • o colar que está em cima do banquinho, foi presente do pajé Canari. Não foi moitará! Dei de presente para ele uma camisa e ganhei esse colar de volta. Como era o colar que ele usava...
Colar feito de lascas de casca de caramujo
  • esse colar da foto acima é lindo! Normalmente eles vendem por mais de R$ 150, pois é todo feito com lascas de casca de caramujo e dá um trabalhão danado para fazer! Troquei por um "esquente" (calça e agasalho) de um tecido sintético da "Reebok" (pirata, é claro!!), com mais de 20 anos de uso! Os dois lados saíram felizes com a troca! Empate!
Cinto / colar de miçangas
  • esse colar da foto acima também pode ser usado como cinto. Troquei por uma camiseta. Acho que fiquei no lucro.

Além disso dei muita coisa de presente e recebia igualmente algo em retribuição: pequenos colares, pulseiras, etc.


Ah, em troca da pintura corporal que me fizeram no último dia, dei uma camiseta e um desodorante spray usado (que eles chamam de perfume)!!


Ainda tenho algumas coisas para receber. É fruto de troca de última hora de uma toalha e uma camiseta. O "produto" não estava pronto e ainda não sei o que vou receber. Vamos ver se dá empate ou se vou ser engambelado!


Depois que eu receber eu conto, combinado?!



quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Diferenças culturais – Duas palavrinhas básicas



Existem duas palavrinhas básicas que devemos aprender em todas as línguas: por favor e obrigado! Usar essas duas no idioma local, somadas a uma terceira (bom dia!) pode fazer milagres! Aprenda-as e use-as em profusão, mesmo que as esqueça assim que cruzar a fronteira!

Acabei de voltar de uma viagem a uma aldeia indígena kamayurá e fui logo aprendendo essas palavrinhas: arawawak significa “bom dia”, ikatu é “obrigado” e ... bem, confesso que não consegui aprender como é “por favor” em kamayurá. Não sei se eles têm essa palavra na língua deles, mas o que acontece é que eles não usam nada semelhante no dia-a-dia. Pedindo com delicadeza a coisa se resolve! E se esse é o costume deles, devemos respeitá-lo.

Mas, infelizmente, muitos de nós brasileiros não temos o hábito de respeitar os costumes dos lugares onde visitamos, principalmente se estamos em grupos. Agimos muitas vezes de forma ruidosa e mal-educada, como se estivéssemos em nossa casa. Pior que isso, talvez nem agíssemos assim se estivéssemos em casa.


Na próxima vez que estiver no exterior, procure encontrar um grupo de brasileiros, desses bem ruidosos e mal-educados, dentro de um metrô, restaurante ou salão de aeroporto. Agora, observe as demais pessoas, principalmente os nativos daquele país e perceba os olhares de reprovação. Confesso que muitas vezes sinto vergonha!

Quando estamos no exterior, mais do que indivíduos, somos embaixadores, somos representantes do nosso povo junto aos habitantes daquele outro país. Uma pisada de bola jamais será creditada ao Edu, ao Zezinho ou à Teresa. Ela será creditada ao povo brasileiro.

Durante a execução do hino nacional de um país, não há nada mais mal educado e desrespeitoso que vaiar, se retirar do recinto ou meramente estar fazendo qualquer outra coisa que não seja ouvir com todo o respeito.

Você pode até não gostar de argentinos, mas, PELAMORDEDEUS, quando tocarem o hino deles NÃO VAIE!!! Não será você que estará sendo grosseiro. Você estará mostrando que a grosseria é nossa, a do povo brasileiro! Sinceramente, não vale a pena! Há outras formas de sacanear com eles, sem ser mal educado.

Mas não é só o brasileiro que é mal educado e vou dar um exemplo.

Não tem nem duas semanas e fui à abertura do Campeonato Mundial de Patins sobre Rodas, aqui em Brasília. Argentinos e italianos dominaram a competição e ambos países vieram com delegações gigantescas.


Como parte da cerimônia de abertura, foi tocado um breve trecho do hino de cada uma das dezenas de delegações presentes. O Hino Nacional foi o último e tocado em sua totalidade. Pois foi só começar o nosso hino, que parte da delegação argentina começou a sair de fininho. Confesso que fiquei PUTO com a indelicadeza deles. Posteriormente, recebi uma “explicação” que pode até explicar, mas não justifica.

Como aqueles atletas seriam dos primeiros a se apresentarem, eles abandonaram a cerimônia para se prepararem para a apresentação.

Com toda a sinceridade? Se você não pode ficar até o fim da cerimônia, que não participe dela. Vinte atletas a menos na ENOOOOOORME delegação argentina não seria notado. Mas vinte atletas saindo no meio do Hino Nacional não apenas é notado como é uma BAITA GROSSERIA, por mais involuntária que tenha sido a atitude.

Ah, uma equipe italiana se apresentou antes dessa equipe argentina... e nenhum atleta italiano foi visto saindo durante a cerimônia.

Continuando com os argentinos, estava eu chefiando a delegação brasileira em uma reunião setorial de comunicações do Mercosul, quando entrou na sala o então Secretário de Comunicações Guillermo Moreno. Cumprimentou a todos, pediu que continuássemos as discussões e tocou com sua mão DIREITA no meu ombro DIREITO.


Caí na besteira de cumprimentá-lo com a minha mão ESQUERDA, na mão DIREITA que ele me tocava.

Ele nem deixou a “bola quicar” e emendou:

“- Eduardo, como é você, eu sei que não houve nenhuma má intenção. Mas aqui na Argentina cumprimentar com a mão ESQUERDA é sinal de DESPREZO!”

Não precisa nem dizer que fiquei pra lá de envergonhado e pedi mil desculpas pela minha indelicadeza, por mais involuntária que fosse.

Aprendi mais uma... que JAMAIS vou repetir!!!

Dei muita sorte de pegar o Guillermo Moreno (clique no nome para ler uma biografia "não autorizada" dele) em um dia de alto astral, porque ninguém consegue ser mais carne de pescoço, truculento e rude do que ele! Basta dizer que até a presidente Cristina Kirchner já chamou o atual Secretário (equivalente a ministro) de Comércio Interior de “El Malo” (O Vilão). Um indivíduo que vive às turras com empresários argentinos e, em especial, brasileiros!!!


Cerca de um ano depois desse episódio, ele mostrou toda a sua rudeza e truculência ao pedir que o meu chefe, hoje embaixador brasileiro em um país africano, APERTASSE AS MINHAS BOLAS!!! Isso por eu estar inflexível em apoiar, em uma reunião interamericana, as ridículas abobrinhas que ele defendia. Só rindo!!

E dei sorte, pois não apenas o meu chefe não apertou as minhas bolas, como não tive que passar pela experiência que um colega de um país vizinho passou. Ao chamá-lo no seu escritório, para “pedir” apoio, havia um revólver sobre a mesa do Moreno! E como aquela sutileza não “sensibilizava” esse colega, a coação passou a ser bem mais explícita!

Ah, lembra-se daquelas três palavrinhas mágicas? Delas, apenas o “bom dia” consta como original de fábrica no dicionário do Moreno!

Evitar que diferenças culturais causem problemas é uma arte!

É claro que não acertaremos sempre, mas não custa nada fazer uma forcinha, né?! Afinal, como diz o ditado “em Roma, como os romanos!”

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Kamayurá – Mavutsinim




Enquanto estive entre os Kamayurás, li o livro “Xingu – Os Índios, Seus Mitos”, escrito pelos irmãos Villas Boas.

As estórias lá descritas são fantásticas e cheias de detalhes. Aqui vou contar a vocês a versão reduzida de dois mitos: o de Mavutsinim e o do Kuarup.

Mavutsinim é a figura mítica que representa o primeiro homem. Foi ele que criou os gêmeos sol e lua e todos os demais povos xinguanos, entre eles os kamayurás.

Nuvens refletidas no Rio Xingu

Conta a lenda que, “no começo, só havia Mavutsinim. Ninguém vivia com ele. Não tinha mulher. Não tinha filho, nenhum parente ele tinha. Era só!

Um dia ele fez uma concha virar mulher e se casou com ela. Quando o filho nasceu, Mavutsinim perguntou para a esposa:

- É homem ou mulher?

- É homem!

- Vou levar ele comigo! disse Mavutsinim.

Takará e sua oca

A mãe do menino chorou e voltou para a aldeia dela, a lagoa, onde virou concha outra vez.

Nós, dizem os índios, somos netos do filho de Mavutsinim!”

Meu nascote é um macaco aranha!!!

O que não fica bem explicado, e bem menos explicado que no bíblico Adão e Eva + Caim e Abel, foi como apareceu esse montão de gente que nos rodeia! Mas lenda é lenda, concordam?!

Noite de lua nova na Aldeia Morená

Outra lenda muito interessante é a do Kuarup, da qual tem origem a grande festividade onde se comemora, no Xingu, o rito de passagem da morte.

“Mavutsinim queria que os mortos voltassem à vida.

Nascer do sol no Rio Xingu

Cortou toros de madeira de kuarup (um tipo de árvore sagrada da região do Xingu), pintou e adornou com penachos, cocares, braçadeiras e fios de algodão. Fincou os paus na praça da aldeia e chamou o sapo cururu e uma cutia (dentro da lenda e no imaginário dos índios, muitos animais eram gente no passado) para cantar junto dos kuarups. Todos os homens da aldeia comeram beiju e peixe e começaram a se pintar e a gritar. Quando quiseram chorar os seus mortos, representados pelos kuarups, Mavutsinim não deixou porque os kuarups iriam se transformar em gente. Mandou todos para suas ocas, porque os homens não podiam ver os kuarups.

O vôo do "corta água"

No fim do terceiro dia, quando a transformação estava quase completa, Mavutsinim chamou a todos de suas ocas para que saíssem, gritassem, fizessem barulho, promovessem alegria e rissem junto dos kuarups. Apenas aqueles que tivessem uma relação sexual com as mulheres, na noite anterior, não poderiam ver os kuarups.

Apenas um dos homens da aldeia teve que ficar dentro da oca. Mas não agüentando de curiosidade acabou saindo depois de algum tempo. No mesmo instante os kuarups voltaram a ser pau novamente.

Curumins brincando

Aí, muito bravo, Mavutsinim sentenciou:

- Eu queria que os mortos voltassem a viver, toda vez que fizessem o kuarup. Agora os mortos não mais reviverão. Agora o kuarup vai ser só festa!

E isso aconteceu na Aldeia Morená, onde Mavutsinim vivia."

Lavando roupa

A Aldeia Morená era exatamente onde eu estava e é, para os kamayurás, o centro do universo!