segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Diferenças culturais – Fa'afafine





De todas as minhas viagens, o maior fosso cultural foi o que eu vivi em minha visita a um amigo americano, em Pago-Pago (se lê Pango-Pango), capital da Samoa Americana. O contato com a cultura polinésia me mostrou uma quantidade de facetas culturais que jamais imaginei que existissem.
Mapa do Oceano Pacífico, com Samoa
A primeira delas foi a grande quantidade de cachorros que encontrei tanto na Samoa Americana como na Samoa Ocidental. Nunca consegui uma explicação qualquer, mas a verdade é que jamais vi tanto cachorro solto na rua. Gato? Nenhum! Também pudera, né!

As casas tipicamente no estilo polinésio, em todos os países da região, são abertas e sem paredes! Não há intimidade preservada dentro da própria casa, nem da casa em relação ao ambiente exterior. Do lado de fora se pode observar o que fazem os moradores das demais casas. Apesar disso gerar curiosidade em nós ocidentais, os nativos não dão a menor pelota para o que se passa dentro da casa alheia.
Típica casa samoana
Tudo aquilo que é deixado fora de casa é considerado pelos polinésios como algo abandonado. Significa, para eles, que você não quer mais aquele objeto e que não há mal nenhum em levá-lo consigo. Para eles isso não é roubo, mas apenas que se pegou algo que não tem mais dono!
Lado norte de Tutuila, ilha principal de Samoa Americana
Dá para imaginar o potencial de confusão quando se junta uma comunidade tipicamente americana com uma de cultura polinésia? É isso o que passa em Pago-Pago, onde os vôos de boa parte do Pacífico Sul são controlados por profissionais americanos baseados na Samoa Americana. Apesar de não estarem isolados dos nativos, eles vivem em uma vila tipicamente americana. E como todo bom americano, deixam tudo largado no jardim: bicicletas, tênis, brinquedos de crianças, bolas de futebol... para perceberem, no dia seguinte, que elas sumiram.
Jornal Samoano, Deu para entender alguma coisa?!!!
É claro que os polinésios de Samoa são pra lá de ocidentalizados e usam a cultura deles apenas nos momentos em que lhes é adequado. Os samoanos estão “carecas” de saber que, para os americanos, algo deixado do lado de fora da casa não significa que eles não queiram mais, mas... se aquela bicicleta que está largada do lado de fora interessa ao samoano, por que não invocar a diferença cultural para levá-la para casa?

Não são poucos os casos de “roubo” de objetos que vão parar na polícia, que tem que gerenciar com muito cuidado essas diferenças culturais.
Túmulo ao lado de uma casa
Aí você deve estar pensando: como é que os samoanos fazem quando têm de sair de casa? Será que os vizinhos simplesmente levam tudo o que está do lado de fora da casa?

Não! Porque tem sempre um ancestral tomando conta da casa! Ancestral?!! Pois saiba que coisa mais comum de se encontrar por lá é um túmulo ao lado de uma casa polinésia. É só enterrar a avó, o pai, a mãe ou um parente qualquer do lado da casa que ele fica lá tomando conta das coisas quando eles têm de sair! Cômodo, não?!
Eu e Don Barclay, meu amigo de Samoa Americana
É o tipo da solução prática que os americanos se recusam a adotar! Para evitar os possíveis roubos, por que não importar o defunto do primeiro parente que esticar as canelinhas lá nos “steites” e enterrá-lo no quintal?!

Está horrorizado? Então se prepare para essa!
Mary e jovens samoanos
É muito comum dentro da cultura polinésia a figura do “fa'afafine”. Fa'afafine é um homem que foi criado como mulher, uma tradição polinésia em famílias em que não nasceram meninas. Fafine, em polinésio, é a palavra que designa mulher. Fa'afafine significa “como mulher”! Fa'afafines não são tratados como homossexuais nem como travestis dentro da cultura deles e possuem grande respeito de toda a comunidade pelo sacrifício individual que fizeram pela sua família.
Fa'afafine
A explicação é bem simples. Alguém tem que ajudar a mãe nas funções domésticas... e isso não é trabalho para homem. Nasce o primeiro filho e é homem. Sem problemas! Nasce o segundo, que igualmente é homem. Paciência, né! Nasce o terceiro, igualmente homem! Aí não dá mais pra segurar e o pobre coitado, sem que tivesse direito a qualquer escolha, será educado como se tivesse nascido mulher. Daí o nome “fa'afafine” ou “como mulher”!
Roger Stanley, conhecido fa'afafine samoano
É algo MUITO estranho e dá um nó nos nossos miolos ocidentais. Imagine um marmanjão tipicamente samoano (ou seja, quase dois metros de altura, outro tanto de circunferência, pesando quase duzentos quilos) falando fino, com trejeitos de mulher, de batom e unhas pintadas! É estranho porque NÃO É UMA OPÇÃO individual, mas uma IMPOSIÇÃO cultural. Aaaarghhh!!!
Fa'afafine significa "como mulher"!
Dentro da legislação samoana, a relação sexual entre um homem e um fa'afafine NÃO É considerada uma relação homossexual. Apesar da maioria dos fa'afafines, no permissivo mundo moderno, acabar se tornando homossexuais ou travestis, nem sempre isso ocorre. Muitas vezes eles se casam com mulheres e constituem famílias, apesar de continuarem mantendo todos os trejeitos femininos.
Fa'afafine, algo típico da cultura polinésia
Vimos vários fa'afafines e, apesar de tentar olhá-los como se fossem a coisa mais natural do mundo, não conseguia deixar de imaginar se essa seria a opção de cada um deles, se tivessem tido a oportunidade de uma escolha diversa daquela que seus pais fizeram no momento que nasceram.

Mais que isso, ficava pensando na sorte que teve o Marco, meu sobrinho, o terceiro dos cinco filhos homens de meu irmão mais velho! Que sorte a sua de ter nascido no Brasil, heim Marco?!


12 comentários:

  1. Realmente interessante.
    Você tem mandado muito bem neste seu blog.
    Um abração.

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  2. Acho que seria interessante perceber que a forma com que seu sobrinho foi criado também não foi escolha pessoal dele e sim dos seus pais/sociedade. Ele não é nem mais nem menos sortudo que esses samoanos. Nossas identidades não são naturais e sim construções sociais e esse exemplo de Samoa deixa isso bem claro.

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    1. Verdade Natalia! Concordo com você!!!

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    2. Errado,construção social é o que acontece com os fafafinis. Homem nasce homem e tem todas as caracteristicas biologicas e químicas que condicionam isso. Construção social eh transformar homem em fafafini,pois assim esta alterando sua identidade natural. Vc apenas inverteu tudo e repetiu as aneiras de pos-estruturalistas. Pai e mãe nao interfere em nada,quem interfere é a cultura dos esquerdopatas.

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    3. Jesse, não sei se você já esteve em algum país da Polinésia. Eu já e em mais de um. Não sei se você sabe, mas Samoa Americana é um território dos EUA, um país notoriamente de direita, onde ideias de esquerda dão urticária! Não sei também se teve o cuidado de ler o texto sem os filtros "direitopatas" (que aliás são tão nocivos quanto os "esquerdopatas"), mas você repetiu exatamente o que eu disse.

      Jamais me passou pela cabeça de que o homem não nasce homem e sem suas características físicas e biológicas. Os fa'afafines nascem, obviamente, das interferências culturais.

      Se o pai e a mãe não interferem, fico imaginando uma criança de 6 meses vendo todo o trabalho da mãe e pensando, "putz, como nasci nessa cultura, tenho que abrir mão de minha sexualidade e ajudar a minha mãe! Assim que aprender a falar e a andar vou me ajustar a essa sociedade sem reclamar!"

      É óbvio que não! São criados desde o nascimento pelos seus pais para se ajustarem à cultura daquele povo. Educação familiar e cultura (e não importa sua posição política para perceber isso) estão intrinsecamente ligados desde os primórdios dos tempos, independente do regime político.

      A cultura do fa'afafine existe na Polinésia desde bem antes da existência de Marx, Engels, Lênin ou Gramsci. Então, nada tem a ver sua afirmação de que "pai e mãe não interfere (sic) em nada, quem interfere é a cultura dos esquerdopatas".

      A narrativa acima me foi contada por mais de um morador de Samoa. Mas, tendo em vista que de você é um renomado antropólogo, certamente estou repetindo as asneiras que os nativos de Samoa, todos eles pos-estruturalistas, me contaram!

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  3. Oi Edu, sobre a resposta para o tal Jesse.. pelo que entendi que os pais escolhem por eles é a Identidade de Gênero e não a Sexualidade. Tendo em vista o que vc mesmo comentou de alguns deles, na vida adulta, realizar um casamento heterossexual. Só um ajuste de semântica mesmo... Excelente texto! Obrigada por compartilhar.

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    1. Exatamente Carol! Você pegou o espírito da coisa.

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  4. Oi Edu, sobre a resposta para o tal Jesse.. pelo que entendi que os pais escolhem por eles é a Identidade de Gênero e não a Sexualidade. Tendo em vista o que vc mesmo comentou de alguns deles, na vida adulta, realizar um casamento heterossexual. Só um ajuste de semântica mesmo... Excelente texto! Obrigada por compartilhar.

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  5. Que nojo você falando de identidade de gênero como se fosse uma coisa apavorante não se conformar com o seu sexo biológico. Isso se chama transfobia. E você não é nem um pouco multicultural, não sei nem porque viaja.. deprimente

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  6. CarX AnônimX,

    Em meus 66 anos de vida já tive amigos, colegas de trabalho, chefes, subordinados, empregados, vizinhos, clientes, etc homossexuais. Jamais tive qualquer problema com qualquer um deles pela simples razão de que pauto meus relacionamentos pelo mais profundo respeito ao ser humano, não importa sua origem social, sua cor de pele, crenças religiosas, país de origem, valores morais e culturais e... opção sexual e/ou de gênero.

    Assim sendo, o fato de você me achar transfóbico, pouco multicultural, nojento e deprimente, está me deixando com "profundas rugas de preocupação" e "mal tenho conseguido dormir, remoendo os seus comentários", uma vez que isso absolutamente diz respeito à realidade em que vivo.

    O post foi publicado em agosto de 2015 e apenas agora alguém o considera transfóbico, nojento, deprimente! Tem alguma coisa de errado e, certamente, não é com o texto.

    Como a pouca compreensão do conteúdo lido é um mal corriqueiro dos tempos atuais, sugiro a releitura do texto uma, duas, três, quantas vezes for necessário, até que você se dispa dos seus filtros e consiga realmente entender o que foi escrito.

    Apenas descrevi uma realidade cultural que me surpreendeu, assim como enterrar os parentes no quintal da casa é igualmente surpreendente e inusitado aos olhos de um brasileiro. Surpreendente e inusitado foi a obrigação imposta por uma realidade cultural e não a opção de gênero que qualquer deles tenha feito quando adulto. Acho que seu nojo era tanto que você deve ter pulado essa parte.

    Igualmente os Fa'afafines são pessoas que recebem o mais profundo respeito por parte da sociedade local, devido ao "sacrifício" que fizeram em prol da família, não importando a opção sexual que fizeram quando adultos. Igualmente acho que seu nojo era tanto que você também deve ter pulado essa parte.

    Espero que possa ter compreendido. Se não, paciência!

    Apenas para terminar, sugiro que, em outra oportunidade, aqui ou em outro blog, se identifique. É mais educado e demostra respeito pelo interlocutor, não importa que discordemos de suas ideias.

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  7. Que cara louco, que texto podre! O cara fala da transexualidade como se fosse o fim do mundo para aquela pessoa. Ja pensou que pra eles não tem nenhum problema? Talvez seja estranho pra vc pq vc não é da cultura deles, mas pra eles não seja estranho, nem motivo de sofrimento. Procura melhor dar a sua opinião

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    1. Jidecleiosn, acho que você não entendeu o que foi escrito e recomendo que você leia o texto tantas vezes quantas forem necessárias para a sua compreensão. Não acredito que seja assim tão difícil pois está escrito em português.

      De modo algum acho a transexualidade, a homossexualidade ou qualquer de suas variações o fim do mundo ou uma aberração. Acho que qualquer pessoa tem o direito de fazer as suas opções de vida e entre elas está a sexualidade.

      O "fim do mundo", na minha forma de ver e sob os filtros da nossa cultura ocidental, é que isso absolutamente seja uma OPÇÃO para o fa'afafine, mas algo imposto pela cultura deles. Mas como é cultural, realmente não é estranho para eles e, provavelmente, nem motivo de sofrimento, como você mesmo falou. Na verdade é visto como um SACRIFÍCIO que alguém faz pelo bem da FAMÍLIA. Um sacrifício que ninguém perguntou se ele estava disposto a fazer, na medida em que ele era jovem demais para ter qualquer discernimento para embasar uma decisão própria.

      Não sei e nem me interessa saber a sua opção sexual. Seja ela qual for, respeito a sua OPÇÃO. Quando tomou-a, tenho certeza de que já tinha experiência de vida mais que suficiente para fazê-lo. Mas fico me perguntando se, caso sua opção seja a homossexualidade ou transexualidade, os seus pai decidissem POR VOCÊ que você deveria SER HOMEM, se você iria achar natural, culturalmente aceitável e se estaria disposto a fazer esse "sacrifício" para o bem da família!

      Fazendo minhas as suas palavras, pense nisso e "procure dar melhor a sua opinião".

      Um forte abraço!

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