Veja também os posts "Diferenças culturais - O 'V' da vitória!!!" e "Duas palavrinhas básicas"
Nossa deliciosa feijoada pode ser mais do que nojenta para outras culturas! Para judeus ou muçulmanos pode ser uma ofensa religiosa. E, sem querer, quase cometo uma barbaridade dessas. Fiz amizade com um pesquisador canadense e ele veio ao Brasil para uma série de palestras. Resolvi recepcioná-lo com um almoço de boas-vindas. Pensei em algo bem brasileiro, como... uma feijoada! Os preparativos para o almoço iam de vento em popa até que um colega de trabalho me perguntou:
– Feijoada? Mas o Larry não é judeu?!
feijoada |
Percebi na hora o tamanho da grosseria que iria cometer e mudei imediatamente para um tradicional churrasco! Judeus e muçulmanos não comem carne de porco, considerada por eles impura.
Isso me lembra também o primeiro “contato imediato em primeiro grau” de uma amiga minha, dinamarquesa, com uma feijoada. Sem tempo ou paciência para explicar à esposa o que era uma feijoada, o marido dela disse apenas que era um prato feito com TODAS as partes do porco. Durante o almoço, enquanto colocava os pedaços de carne no prato, ela acabou pegando um rabinho, que não havia sido cortado! Meio chocada com o ocorrido e sem saber como reagir, vira para o marido e, com aquele forte sotaque estrangeiro, diz:
– Mirrrro, asscho qué peguei u pinto du porrrrco!
Desnecessário dizer que esse caso ainda é motivo de gozação até hoje!
Está rindo? Pois a recíproca pode ser verdadeira, uma vez que carne de cavalo é comum na França, feto de bezerro é uma iguaria no Uruguai, cachorro é servido na Coréia, grilo é uma especialidade mexicana, sem falar em cérebros de macaco, cobras, besouros, gatos, lagartas etc.
parrilla uruguaia |
Diz um ditado chinês que “tudo o que se mexe... se come!” Ou seja, você pode até achar nojento, mas o seu nojo é fruto única e exclusivamente de sua visão cultural frente àquele alimento!
O Extremo Oriente é pródigo em diferenças culturais gastronômicas. Conheci um diretor de uma grande empresa americana de computadores que, numa certa época, era o seu representante em Hong Kong. Em sua primeira viagem para lá e com medo daquilo que poderia vir a estar comendo, perguntava, a todo o momento, sobre o que estava sendo servido. Nem preciso dizer que voltou com fome para os EUA. Em sua segunda viagem, mudou de atitude: resolveu comer de tudo! Só não perguntava nem queria saber o que estava comendo e me confessou:
– Olha, Edu, que culinária maravilhosa! Sei que como coisas que nunca imaginei estar comendo. É tudo uma delícia. Mas, por favor, prefiro continuar sem saber!
culinária chinesa |
Realmente é melhor ficar sem saber, pois o cérebro é capaz de transformar uma comida deliciosa em algo de embrulhar o seu estômago em questão de segundos. Eu, por exemplo, fui recepcionado com tanajura lá entre os kamayurás. Quem comeu gostou, mas meu estômago embrulhava só de pensar em comer.
tanajura |
E esse “causo” aqui aconteceu com perito canadense que nos prestou consultoria. Casado com uma enfermeira, ele desembarcou por aqui com uma lista do que NÃO deveria fazer bem maior que um catálogo telefônico. Parecia até que ele estava visitando um Congo da vida!
Fiquei responsável por levá-lo para almoçar durante a sua permanência por aqui. Logo no primeiro dia, levei-o para almoçar em um pequeno e delicioso restaurante de comida brasileira que havia aqui em Brasília. Optei por um arroz de carreteiro com purê de abóbora e um frango ao molho pardo. Sabendo da frescura do gringo, por precaução, evitei dizer qual era a “base” do molho pardo.
arroz de carreteiro |
O tal canadense vidrou na galinha ao molho pardo, que ele chamava de “chicken on dark sauce”. Comeu uma vez e babou. Repetiu e revirava os olhos! “Tripitiu” e suspirava de satisfação!! Gostou tanto que achei que não era mais perigoso informá-lo que o molho pardo era feito com sangue de galinha.
Pura ilusão a minha! Assim que falei, ele parou de comer e, num gesto brusco, afastou o prato. Ato contínuo, começou a passar mal, ficando cada vez mais pálido. Quando já estava ficando verde, resolveu devolver para o vaso sanitário tudo aquilo que havia comido com tanta satisfação. Por muito pouco ele não parou no hospital... e, por muito pouco, não tomei um tiro do meu chefe!!
galinha cabidela ou ao molho pardo |
Você tem o costume de fazer “pequenas” adaptações no cardápio dos restaurantes em que come? Por aqui, de uma maneira geral, os restaurantes não se incomodam em substituir o arroz de brócolis por um arroz branco e a farofa por um purê de batata, além de retirar o molho que vem cobrindo o filé, por mais que isso acabe com a graça e destrua o sabor do prato. Lá fora, vá tirando o cavalinho da chuva que eles nem vão pensar duas vezes em dizer:
– Senhor, infelizmente não temos esse prato em nosso cardápio!
Em uma viagem à Europa, minha prima vivia pedindo modificações e raras foram as vezes em que ela foi atendida. Fazia uma careta de insatisfação e dizia:
– Pô, mas eu não gosto disso e vou ter que comer?
Não, claro que ninguém é obrigado a comer! Basta colocar do lado do prato... ou escolher uma outra comida, não é mesmo?!
A renomada Chef Roberta Sudbrack recomenda:
– Aceite um conselho de quem entende do assunto. Se não quiser criar um incidente gastronômico ou correr o risco de ver uma brigada de cozinha inteira, e de faca em punho, se dirigindo para a sua mesa, pense antes de simplesmente achar que a troca de uma “batatinha” por um “arrozinho” pode ser inofensiva. NÃO É!