quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Certos furtos IV - cadê a minha carteira?!

Veja também os posts " Certos furtos I - Itália ", e “ Certos furtos II - Barcelona " e “ Certos furtos III – presenciando furtos em Barcelona ".

A sensação mista de raiva, revolta e impotência que senti quando vi os furtos no metrô de Barcelona foi incrível, pois me remeteu a uma experiência que havia passado em 2002, no metrô de Paris, em que a vítima do furto havia sido eu.

Estávamos na estação de Saint-Michel e um bando de jovens falava alto e fazia bagunça. Entrei no vagão com a Mary e o bando entrou logo atrás. A balbúrdia era típica de um grupo de adolescentes. Pouco antes da porta fechar, se retiraram tão ruidosamente como haviam entrado... e foi a vez da Mary falar:

– Edu, sua pochete está aberta!

Gelei! Coloquei a mão dentro dela, apenas para confirmar aquilo que já imaginava que tinha acontecido: a carteira havia sumido! E com ela, foram furtados um cartão de crédito, cento e cinqüenta euros, além de um monte de coisas desnecessárias que estavam dentro da carteira. Querem dois exemplos básicos? Na época eu tinha dois cartões bancários (Banco do Brasil e Banco Real) que não eram cartões de crédito e nem tinham validade internacional. Carregar esses cartões para passear na Europa apenas aumenta o bando de tralha que está no seu bolso sem nenhuma serventia. O mesmo se passava com o cartão de identificação do meu plano de assistência médica no Brasil. Pra que levar se ele não é válido na Europa?

Metade da tarde foi perdida no cancelamento do meu cartão de crédito e dos meus cartões bancários. Aí eu percebi que não tinha anotado em lugar algum, uma série de dados que facilitariam a minha vida em situações de emergência. Quer exemplos? Você anda com o telefone das embaixadas e consulados brasileiros dos locais onde você visitará? Você tem anotado os números dos seus cartões de crédito, assim como os números a serem chamados em caso de emergência? Você sabe de cor ou tem anotado o número do seu passaporte? E o de sua carteira de motorista?

Não? Pois é, eu também não tinha! De um modo geral a gente não se preocupa em se preparar para situações de emergência e só corre atrás de colocar o cadeado depois da porta já estar arrombada! Por eu não dispor facilmente de informações tão básicas, perdi um tempo enorme em telefonemas para o Brasil, buscando essas mesmas informações. Além de perder muito tempo, gastei uma grana preta em telefonemas. Desde então tenho essas informações básicas de emergências anotadas em papéis que coloco estrategicamente em vários lugares. Se voltar a ser furtado, tenho números e telefones disponíveis em menos de um minuto.

Essa foi uma tarde bastante estressante e o clima do passeio, mesmo depois que consegui resolver tudo, já tinha ido para o espaço! Naquela noite, mal consegui dormir tamanha era a raiva que eu sentia.

Como é que eu podia ter permitido que alguém abrisse um fecho-éclair da pochete que estava na minha frente, enfiado a mão nela, tirado a carteira e eu nem perceber que isso estava acontecendo? E foi com essa raiva latente, de mim mesmo e dos ladrões anônimos que freqüentam os metrôs do mundo, que eu iniciei o passeio do dia seguinte.

Íamos passar o dia no Museu D’Orsay. Pegamos o metrô, paramos em uma estação de conexão e me afastei um pouco para checar a direção a ser tomada na nova linha, quando ouvi a minha irmã gritando:

– Edu, socorro! A Mary está sendo roubada!

Era um menino de origem árabe, de não mais que onze anos, que havia enfiado a mão dentro da bolsa de minha esposa, no pouco espaço que ela havia deixado livre. Ao perceber uma movimentação estranha, ela puxou a bolsa e travou a mão do menino dentro. Inexperiente, o menino tentou furtar a bolsa em um ambiente aberto, onde só estávamos nós e sem nenhuma cobertura de parceiros.

Já estando com a cabeça fervendo de ódio do dia anterior, vocês podem imaginar o quanto o sangue subiu à cabeça. Ainda tive um mínimo de discernimento em não agredir o menino, embora vontade não faltasse! Agarrei-o pelo colarinho de uma forma tão forte que ele mal podia respirar e saí arrastando-o escada acima, gritando em plenos pulmões “Police! Police!” até atingir a plataforma principal.

E juntou gente como eu nunca imaginei! Segurando firmemente o menino pelo colarinho, continuei gritando até que chegaram os seguranças do metrô. Eles ficaram com o menino, perguntaram o que tinha ocorrido e se eu desejava aguardar a polícia (que já havia sido chamada) para fazer uma queixa formal. Pensei bem e optei por deixar o caso nas mãos deles, sair de fininho e continuar o passeio... desta vez com um certo ar de vitória sobre os malfeitores, depois de ter me sentido completamente derrotado e impotente no dia anterior.

A curiosidade de toda essa situação ficou nos dois ou três safanões que tomei de um negro alto, enquanto segurava firmemente o menino e aguardava pela chegada dos seguranças. O negão (que devia ter quase dois metros de altura) me dava um safanão e me mandava soltar o menino:

– Você está machucando ele, que é apenas uma criança!

Fui salvo por um outro senhor negro que interferiu em meu favor dizendo:

– É criança, mas já é um batedor de carteiras. Merece ser preso!

Jamais saberei ao certo, mas para mim aquele negro alto era provavelmente o “patrão” daquele ladrãozinho inexperiente.

A essa altura você deve estar pensando:

– Esse cara aí é bem incoerente. Ele falou em outro post que se deve fugir ao invés de partir para o ataque e ele está aí se vangloriando de ter prendido um ladrãozinho inexperiente!

Você está coberto de razão. Dessa vez me safei, mas a história poderia ter sido outra.

Estávamos passeando naquela tarde, quando a Mary chegou e me disse:

– Edu, gostaria que você me prometesse que nunca mais vai reagir agressivamente se voltar a ser roubado! Você já imaginou o que teria acontecido se o menino tivesse comparsas dando cobertura? Já imaginou se ele fosse um pouquinho menos inexperiente e tivesse um canivete no bolso? Talvez, ao invés de estarmos passeando agora, estivéssemos em um hospital, com nossa viagem ou quem sabe até com a nossa vida arruinada! Você é muito mais importante que qualquer coisa que possa ser roubada! Por favor, me faça essa promessa!

Foi aí que eu caí na real e vi o tamanho da besteira que havia cometido! Acima de tudo, percebi a sorte que tive de tudo ter terminado sem problemas maiores. Percebi o quanto a minha reação foi impensada, totalmente dominada pela raiva que vivia desde o furto que havia sofrido na tarde do dia anterior. Ninguém pode garantir que irá reagir desta ou daquela forma em uma determinada situação, mas tenho procurado me conscientizar que jamais deverei reagir agressivamente se enfrentar, uma vez mais uma situação semelhante. Afinal, tenho uma promessa a cumprir com a Mary.

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